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saúde indigena

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A precariedade da saúde pública é ainda mais acentuada no interior do Estado. Diariamente, os pacientes precisam ser removidos para a capital, tornando a espera por atendimento dolorosa. Se a situação é crítica nos centros urbanos, nas aldeias indígenas a sensação é de esquecimento. Para atender a uma população estimada em 40 mil índios, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) disponibiliza apenas 20 médicos. Os 25 postos de saúde chegam a ficar mais de um mês sem a visita do doutor. Severino Dionísio, agente de saúde do povo kambiwá, denuncia. “Faz mais de seis meses que um médico não vem aqui. A enfermeira aparece de oito em oito dias e praticamente só faz medir pressão e acompanhar o pré-natal. Os índios têm que ir para a cidade e lá passam por discriminação”. Segundo a Funasa, cerca de 400 índios são transportados para o Recife semanalmente para receber tratamento médico. A necessidade nas aldeias é de mais de 70 profissionais.

“Como os hospitais públicos daqui sempre estão lotados, às vezes é preciso esperar até três meses por uma consulta ou exame”, reconhece o chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena de Pernambuco, Antônio Fernando da Silva.Como se não bastasse, o transporte também é precário. No total, o órgão possui 25 carros e 11 ambulâncias e, como a frota não é suficiente para a demanda, é preciso alugar carros de apoio e disponibilizar passagens de ônibus. “A marcação da consulta ou do exame demora tanto que, quando a pessoa chega no Recife, o caso já está grave demais. Já tivemos vários casos de óbito por falta de assistência”, relata Gustavo Barbosa da Luz, do povo pankararu.

 


Um grave acidente em 2005 com um carro que transportava pacientes deixou um saldo de 17 índios mortos - treze deles da aldeia pankararu. Os indígenas morreram afogados no Riacho Duas Unas quando o veículo em que viajavam saiu da pista. “Nessas viagens, perdem-se vidas. Quase que perdia minha filha, que ia pegar a condução. Por sorte, voltou de carona em outro carro”, lembra Gustavo Barbosa.

 

Severino Dionísio carrega a dor de quem perdeu um membro da família para o descaso com a saúde pública. “Se a situação é de calamidade nos hospitais do Estado, no município é ainda pior. Não tem ginecologista, nem cardiologista. Quem precisa tem que pagar consulta particular. Minha mãe morreu assim. Ela sentia dores e era atendida no posto várias vezes. Quando foi para o hospital, já era tarde demais. Sinto muita revolta e tristeza”, conta.

A inexistência de saneamento básico e, conseqüentemente, o aparecimento de doenças como diarréia e infecções na pele, é um dos principais problemas enfrentados hoje pelos povos indígenas. Mais de 100 crianças menores de um ano apresentaram no ano passado algum tipo de doença relacionada à pele. “Tem muitos casos de diarréia, coceiras e vermes, por causa da qualidade da água. Como não existe água tratada, o jeito é ferver. Passamos sempre essas informações, mas, se deixamos de ir às casas, eles voltam a fazer tudo errado. É um trabalho permanente de conscientização”, diz o agente de saúde Raul dos Santos Texeira, que atua há seis meses na comunidade Pipipã.

 

SAÚDE INFANTIL

A desnutrição ainda é considerada alta nas aldeias indígenas. Só em dezembro de 2006, 32 crianças estavam em situação crítica, ou seja, muito abaixo do peso ideal para a idade. De acordo com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a taxa de mortalidade infantil registrada em 2006 superou a do ano anterior. Em 2005, para cada mil crianças nascidas, foram registradas 33 mortes. No ano passado, esse número chegou a 43. No entanto, a Funasa não considera que houve crescimento da taxa de mortalidade. Segundo o órgão, o que aconteceu na verdade foi uma notificação mais abrangente dos casos.

De acordo com a Funasa, nenhuma aldeia pernambucana possui canalização e tratamento dos esgotos. “Como os custos dos projetos são muito altos, até agora não houve liberação de recursos”, afirma Antônio Fernando da Silva. Há um programa piloto em Águas Belas para o povo fulni-ô, que pode sair do papel ainda este ano. A verba é de R$ 3 milhões. “Decidimos começar pelos fulni-ô porque é uma aldeia com características mais urbanas e enfrentam muitos problemas devido à falta de saneamento”, explica. O abastecimento de água ainda não atende a todas as aldeias, mas houve melhoras nos últimos anos. De 1999 até 2006, foram realizadas 147 obras e outras 83 estão em andamento.

 

PREVENÇÃO – A atuação da saúde nas aldeias é apenas preventiva, através do controle de doenças como diabete, hipertensão e tuberculose. Exames específicos e cirurgias são encaminhados para os hospitais dos municípios próximos às aldeias ou para a capital. Um dos programas mais divulgados nas comunidades indígenas é o de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis.  Porém o uso da camisinha ainda é tabu. O pajé pipipã Expedito Rosendo dos Santos diz que é errado. “É de onde nasce toda doença da mulher. A aids é um problema do homem branco, nunca teve caso no nosso povo”, garante.

O mestre Inácio Caminha concorda com o pajé. “Isso é ruim para o nosso povo. Impede que nossas índias tenham filho. Precisamos de gente para povoar nosso território e dar continuidade às nossas tradições”, acredita. O chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena de Pernambuco explica que a Funasa não desenvolve nenhum trabalho de controle da natalidade ou planejamento familiar entre os indígenas. “Ter filhos faz parte da preservação das etnias. Requerimentos de laqueadura, por exemplo, são encaminhados para autorização do Ministério Público. Não podemos interferir nessa tradição, mas a nossa missão é alertar quanto à importância da camisinha para evitar o aparecimento de doenças”. A Funasa não confirma, mas existem relatos de casos de aids entre o povo pankararu. “As famílias negam até hoje. Por conta disso, há uma boa distribuição de camisinha nas aldeias e as pessoas usam porque ficaram com medo. Antes não existia esse risco”, relata Gustavo Barbosa.

As lideranças indígenas de diferentes povos são unânimes: se os médicos e dentistas que trabalham nas aldeias também fossem índios, o trabalho seria mais fácil. "O maior problema que existe na saúde é o modelo que está implantado. A saúde tem que ser específica e diferenciada, respeitando as crenças e costumes de cada povo", afirma o cacique xucuru Marcos de Araújo. O líder do povo pipipã, cacique Valdemir Amaro Lisboa, concorda: “Quando as comunidades estão começando a gostar do trabalho, o médico é deslocado para outro lugar. Não temos nenhum controle sobre isso. A Funasa repassa os recursos para o município e é ele que contrata.”

O pankararu Eudes Oliveira é formado em odontologia, com curso financiado pela Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele diz que não está exercendo a profissão na aldeia “porque o município de Jatobá preferiu contratar um branco”. De acordo com Antônio Fernando, os recursos destinados pela Funasa são administrados pelos municípios. A contratação de funcionários – médicos, enfermeiros e agentes de saúde (esse cargo é exercido apenas por índios) – é feita com a indicação do órgão nacional e das lideranças indígenas. “No caso de Eudes, a indicação foi do município, mas toda a articulação foi feita com conhecimento das lideranças indígenas pankararus”, justifica. 

 

 

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